quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Crónica de um debate no "entre-Douro-e-Minho"

Jugueiros é uma freguesia do concelho de Felgueiras, encostada aos limites dos concelhos vizinhos de Fafe e Guimarães.

Não se pode dizer que seja propriamente uma aldeia; é mais um conglomerado de lugares.

É certo, a Igreja Nova, funciona como o centro da freguesia. Mas os seus 1500 habitantes estão espalhados por pequenas aglomerações no terreno: Assento, na base, junto às pontes medievais de S. João e de Travassós e à capela do século XII, onde se realizam as festas no último domingo de Agosto; Lourido, onde querem fazer a mini-hídrica; S.Paulo; Barrias; Corvete, lá no alto...

Os rios que a cruzam, o Bugio, o Ferro e o Vizela, são os responsáveis por tamanha dispersão: recortaram de tal forma o terreno que a freguesia é assim um misto de recantos, casas e caminhos, bordejados por renques de árvores frondosas e cruzados por linhas de água que, mesmo no Verão, teimam em correr para fora das valetas.

E foi de água que se tratou na reunião pública de 6 de Agosto de 2007 que teve lugar no salão paroquial de Jugueiros, junto à Igreja Nova.

Tinhamos sido alertados, uma semana atrás, acerca de um provável início a breve trecho de trabalhos no terreno conducentes à implementação de um aproveitamento hidroeléctrico no rio Bugio, conhecido pela Mini-hídrica de Lourido e que estava a deixar a população inquieta.

O rio Bugio já se encontra ocupado a montante por um empreendimento semelhante, datado do Estado Novo, com resultados desastrosos para as populações de Jugueiros, que o conhece como o “Sumidouro”: a comporta que deveria garantir o chamado “caudal ecológico” permanece fechada, como de resto pudemos observar na visita que efectuamos ao local horas antes da sessão – a água é totalmente desviada para o canal que a leva à conduta e que a transporta para a casa das turbinas; o rio propriamente dito, naquele trecho, é apenas uma sucessão de poças de água esverdeadas.

É certo que, em teoria, o alvará e a licença de construção da nova mini-hídrica, contempla a garantia de um “caudal ecológico”, por sinal um valor que deverá ser impossível de cumprir em boa parte do ano: 200 litros por segundo! Mas o povo desconfia: não foram deixadas sem água todas as levadas a montante por efeito do “Sumidouro”? E por isso não tiveram os campos, antes regados, de ser abandonados? E os moinhos não deixaram de trabalhar à míngua da força motriz?

Curioso o facto de nos últimos anos ter havido dinheiro para restaurar moinhos, tidos como importantes para a população e parte de um património arquitectónico e cultural que enche de orgulho os seus habitantes! Mas como fazer girar as pás dos moinhos se lhes roubam o precioso líquido?

O povo de Jugueiros olha para o poder com desconfiança: mesmo para o poder local. Não é verdade que Felgueiras-cidade bebe a água que vem extrair à freguesia de Jugueiros cujos habitantes, em troca, se a quiserem, têm de ter os seus furos particulares?

Na verdade o povo de Jugueiros vive um pouco à parte desta “democracia”: rege-se por normas consensuais e conformes à boa razão, consagradas pelos usos e costumes tradicionais do povo e de longa data praticadas. Usos e costumes que compõem o chamado “direito consuetudinário”; leis que não precisam de estar escritas para serem assumidas por todos como boas e garantirem a ordem pública; direitos de que frequentemente as empresas fazem tábua rasa, umas vezes por desconhecimento, outras por pura arrogância de quem quer, pode e manda.

A propósito de empresas, uma empresa foi formada para explorar a futura mini-hídrica: a Empresa Hidroeléctrica de Felgueiras – uma parceria da Câmara Municipal de Felgueiras com quatro empresas espanholas (maioritárias!) de pequena dimensão e sem currículo conhecido. Não está em causa serem espanholas. Nem não serem detentoras de um currículo invejável: afinal trata-se de um pequeno empreendimento. O que está em causa é não darem a cara. A população de Jugueiros não sabe quem são. É o presidente da junta de freguesia que actua por eles, nos contactos necessários para a preparação da obra. Estranha e indesejável conjunção (promiscuidade?) entre os interesses económicos e os de quem deveria ser o primeiro a interpretar a vontade do povo que o elegeu...

Porque praticamente nada se conhece do projecto: o traçado das condutas, onde vão passar as linhas de alta (?) tensão, as “levadas” que irão ser preservadas... Sabe-se, isso sim, que a casa das turbinas vai ficar em terrenos da Reserva Ecológica Nacional, os mesmos onde o proprietário foi impedido de realizar construções recentemente.

E também nada se sabe dos impactes ambientais. É que a lei isenta estes empreendimentos de avaliação de impacte ambiental: como se os rios que vão deixar de ter água não comportassem vida, peixe que hoje é abundante não fosse desaparecer, paisagens e ambientes aprazíveis não fossem definhar, campos regados não fossem secar, só porque a altura do açude não é x ou a produção em Mwh não atinge y!

Perante os receios fundamentados da população de Jugueiros de que o empreendimento em questão possa afectar de forma negativa os seus usos e costumes, lesando os seus direitos e o ambiente, disponibilizamo-nos a reunir com a população de Jugueiros e estudar soluções para que possa valer os seus direitos.

As fotos seguintes valem como reportagem:







- primeiro, o arranque do debate, com a assistência um pouco desconfiada, alguns confundindo-nos com os próprios promotores da obra;















- depois, mais descontraídos e participantes, atropelando-se nas falas, como é próprio de quem não está habituado a debates;






- finalmente, já com uma Comissão pró-associação mandatada para a recolha de assinaturas e os contactos com a Câmara Municipal de Felgueiras






Conseguirá o povo de Jugueiros fazer valer os seus direitos? É uma incógnita. Mas como alguém disse: se não lutarem por eles, ninguém lhos dará de mão beijada!