quinta-feira, 21 de junho de 2007

A insustentável leveza das obras "sem alternativas"

Há sítios que têm demais.

Têm uma localização privilegiada, têm recursos geológicos de elevada qualidade, bons solos, água e clima apropriado para produções agrícolas e florestais de espécies economicamente relevantes.

Tudo isso tem Estremoz. Tudo, menos sustentabilidade no desenvolvimento. E porquê?

Estremoz apresenta enormes potencialidades mobilizáveis para o processo de desenvolvimento, que vão desde:

  • as vantagens de localização e acessibilidade, das quais se destacam a proximidade à Área Metropolitana de Lisboa e a Espanha, potencialmente incrementadas com a concretização da linha de alta velocidade Lisboa-Madrid e a melhoria das ligações ao porto de Sines, e deste aos destinos intercontinentais;
  • aos recursos endógenos relevantes entre os quais sobressaem as rochas ornamentais, mas também os recursos agrícolas, florestais e pecuários, geradores de produções específicas de qualidade com penetração no mercado externo.

Mas, longe de gerar progresso para Estremoz, estas aparentes "vantagens competitivas" têm afundado a cidade na decadência. Senão vejamos:

As pedreiras têm impactes brutais na paisagem - factor de identidade de um povo e também valor intrínseco como recurso para o turismo e para a sustentabilidade do povoamento - mas também têm reflexos altamente negativos em outros recursos naturais igualmente importantes, designadamente:

  • no solo - que é um bem escasso e particularmente vulnerável, suporte de importantes produções de cortiça, vinha, olival, frutos, caça e outras actividades igualmente relevantes
  • nos recursos hídricos superficiais e subterrâneos - provocando o seu esgotamento e degradando a sua qualidade, destruindo literalmente a drenagem natural, aterrando ribeiras (e.g. a ribeira dos Mártires)

Em contrapartida, as pedreiras deixam o quê para Estremoz? Quantas empresas têm aí a sua sede e pagam aí os seus impostos? Que obras, que melhoramentos de interesse público realizaram?

A "fachada" nascente da cidade de Estremoz está completamente degradada. Só os cegos, ou aqueles que por força do hábito deixaram de ver, não sentem mágoa pelo que está à vista de todos, incluindo os que nos visitam. É por isso urgente intervir nos domínios do reordenamento industrial e da requalificação ambiental e paisagística. Acções de sustentabilidade devem ser desencadeadas de imediato, quer sejam sob a forma de medidas específicas para a região, como:

  • melhor ordenamento e exploração mais sustentável das pedreiras activas;
  • promover a recuperação das antigas áreas mineiras abandonadas tendo em vista a sua valorização do ponto de vista ambiental e paisagístico;
  • incentivar a investigação e inovação relativamente ao aproveitamento económico dos resíduos e subprodutos inerentes à extracção;


quer medidas mais “estruturantes” em termos globais, tais como:

  • aprofundar a articulação dos instrumentos de Ordenamento do Território com a legislação relativa à indústria extractiva, designadamente através da elaboração de planos sectoriais;
  • elaborar um Programa Nacional de Reabilitação de Pedreiras Abandonadas com incidência nos Planos Regionais de Ordenamento do Território e nos PDM de 2ª geração.

E o "resto"?

Pode dizer-se que a "fachada" poente da cidade ainda mantém uma boa qualidade paisagística, patrimonial e ecológica. É lá que se mantém as quintas históricas de Estremoz, onde se produzem os melhores vinhos, onde existem os olivais de produção biológica, onde se mantém os melhores montados de sobro...

Pois bem, tratemos de a gozar rapidamente e em força, porque vai ser por pouco tempo!

O traçado do IP2 correspondente à Variante a Estremoz vai acabar com tudo isso:

  • destrói 5 ha de montado de sobro de grande qualidade e valor cénico;
  • atravessa uma importante reserva aquífera protegida por lei (Resolução do Conselho de Ministros nº 54/96), afectando várias captações de água que alimentam a produção do maior pomar de nogueiras da região;
  • isola o arvoredo classificado do Outeiro de S. Brissos, declarado de interesse público pela Direcção Geral de Recursos Florestais;
  • destrói 2 ha de vinha da produção de um dos mais reputados vinhos de Estremoz (Marquês de Borba).

Dir-se-á: não há alternativa!

Não há porque não foi estudada! Por incrível que pareça nem o projecto as propõe, nem sequer o Estudo de Impacte Ambiental analisa alternativas, como é obrigatório por lei, o que pode determinar a nulidade do procedimento de AIA, nos termos e para os efeitos do artº 20º do Decreto-Lei n.º 69/2000 de 3 de Maio, com a redacção que lhe é dada pelo Decreto-Lei n.º 197/2005, de 8 de Novembro.

Dir-se-á: mas é a solução mais económica!

Errado, outra vez. É a mais cara. E a menos vantajosa para Estremoz.

Com efeito, a consideração de outras alternativas para o traçado da referida Variante, ao mesmo tempo que se afiguram menos dispendiosas, permitiriam uma melhor interligação com a Zona Industrial, uma melhor articulação com a rede municipal rodoviária e a rede nacional, bem como favorecer o processo gradual de requalificação ambiental da área degradada pela exploração de pedreiras, de que Estremoz está tão carenciada.

Porque se cometeu este erro?

Talvez porque já venha de trás, com a localização inadequada do Nó de Estremoz.

Talvez porque seja sempre mais fácil passar por cima de terreno agrícola e florestal.

Mas não se diga que já não se vai a tempo, tanto mais que, estando em desenvolvimento o Plano Rodoviário Nacional e a reformulação do IP2, forçoso se torna analisar a alternativa a nascente.

Nesta como em muitas outras obras, é preferível gastar um pouco mais de tempo em estudos do que lamentar para todo o sempre o erro cometido. Assim o impõe o princípio da precaução.