sábado, 23 de junho de 2007

Da importância do montado de sobro

O Decreto-Lei nº 169/2001 de 25 de Maio, que estabelece medidas de protecção ao sobreiro e à azinheira, começa por referir a importância dos povoamentos destas espécies, nomeadamente os sistemas com aproveitamento agro-silvopastoril conhecidos por «montados», na medida em que "incluem alguns dos biótopos mais importantes ocorrentes em Portugal continental em termos de conservação da natureza, desempenhando, pela sua adaptação às condições edafo-climáticas do Sul do País, uma importante função na conservação do solo, na regularização do ciclo hidrológico e na qualidade da água."

E especifica que, ao mesmo tempo, "estas espécies representam um recurso renovável de extrema importância económica, a nível nacional e a nível local. A cortiça produzida e transformada pelo sobreiro, para além dos milhares de postos de trabalho que justifica, gera, anualmente, entre 100 e 150 milhões de contos de exportações, ultrapassando já os 3% do valor total das vendas de Portugal a outros países."

Vem isto a propósito da facilidade com que determinadas entidades, como por exemplo, as Estradas de Portugal, entendem pedir "declarações de imprescindível utilidade pública e de relevante e sustentável interesse para a economia local dos empreendimentos" e também da mesma facilidade com que conselhos consultivos florestais emitem pareceres favoráveis, esquecendo quase sempre o que a lei refere na alínea a) do nº 3 do artº 6, isto é, que o proponente deve demonstrar técnicamente "o interesse económico e social do empreendimento, a sua sustentabilidade e a inexistência de alternativas válidas quanto à sua localização".

Ora, o que está verdadeiramente em causa no traçado proposto para a Variante de Estremoz é, não só, o abate de centenas de magníficos exemplares em perfeito estado vegetativo, e o ecossistema que dele depende, mas outra coisa que a lei diz mas pouca gente entende: é que "a importância destes sistemas agro-florestais, produzidos e mantidos ao longo de gerações pelos agricultores, face à sua origem antrópica, só poderão manter-se enquanto as actividades económicas que lhe estão na base, ou outras que as substituam, permitam e justifiquem a sua manutenção".

Os agricultores que, durante gerações, cuidaram do montado de forma não gananciosa, isto é, sem extracção ambiciosa da cortiça de forma a permitir o crescimento mais correcto da árvore, para agora, legitimamente puderem usufruir dos rendimentos que um montado saudável proporciona, pensarão duas vezes ao se aperceberem que a legislação afinal tem "buracos" que muitos exploram à saciedade, e talvez decidam que o melhor é extrair o máximo rendimento no menor tempo possível, como os outros fazem nas outras actividades.

Enquanto não percebermos que os agricultores que "ainda" cuidam dos seus montados de forma conscienciosa prestam um serviço à sociedade que vai muito para além do valor económico das suas explorações - conservação do solo, regularização do ciclo hidrológico e da qualidade da água, habitat de espécies de grande valor, inclusive cinegéticas, amenidade climática, paisagem, ordenamento territorial, etc, etc - e que por esses serviços deveriam, aliás, ser remunerados, será sempre mais fácil aceitar a destruição de uns quantos hectares de montado de sobro do que, ponderar, pura e simplesmente, no que é básico em matéria de avaliação de impacte ambiental - existem alternativas?